quarta-feira, 12 de agosto de 2015

o percurso de Tomé


Órfão sem apelido, nascido no sertão angolano e órfão de mãe aos dois anos; acolhido como um bonequinho pela filha de um comerciante; fiel de armazém quando deixou de ter a graça do pretinho, revolta-se contra a exploração e os maus tratos; saltimbanco; emigrante nessa América racista que lhe dá a conhecer os ritmos do jazz; a bailarino no Roma Clube, descoberto pelo Veiga jornalista; amante de Odette.. 

O tema do racismo, provavelmente novidade entre nós, acaba por ser desperdiçado pelo estilo ligeiro de Mário Domingues. É pena.

(um parágrafo, cap. V)

«Estonteado pelo infernal ruído e pela luz mórbida que pairava no ambiente, o seu cérebro não raciocinava, mal tinha tempo de registar mil e uma impressões díspares, que lhe doíam como mil e uma picadas impiedosas. As notas graves, prolongadas, do saxofone despertavam-lhe na alma ecos gemebundos e doloridos. O movimento vertiginoso do bailado provocava-lhe estranhas ilusões de óptica e via então, obliquadas em sentidos opostos, as linhas perpendiculares da sala, ao mesmo tempo que a horizontalidade das mesas balanceava confusamente, como se o clube fosse um salão de transatlântico que ondas tempestuosas agitassem.»

Mário Domingues, O Preto do «Charleston» (1930)


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