quinta-feira, 27 de junho de 2013

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Abel Manta
[pom]binha bateu as asas. Pois tu não a sentes desarvorada? Vê se lhe espreitas para a alma, a arca cispada que te faz dar o cavaco, e hás-de acabar por encontrá-la cheiinha com o padre. Que asno! Para ti tem ela modos, mas para ela guarda os pensamentos, que são sempre o melhor da festa. A ti faz-te promessas; a ele irão as ternuras. Que esperas?! Não vês que o padre é um figurão, que lhe promete vilas e castelos e tu um labrego, dá-mo pobre, dar-to-ei aborrecido?! Não lhe enxergas as mãos mimosas e fidalgas de todo em comparação com as tuas, cobertas de surro? Entre um e outro, bem tola seria Brízida

Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas [1922], Livraria Bertrand, 1983, p. 25, ls. 1-12.

terça-feira, 18 de junho de 2013

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todos. Estava certo de que, no momento em que o Major Soares lhe pedira misericórdia com o nome da mãe na boca, conseguira por este modo abrandar a fúria do cangaceiro. E era sabido de todo o mundo que todos que procuravam Aparício com a invocação de sua mãe, tinham tudo. O povo dizia mesmo que o rei do sertão só era fraco para as ordens da velha, que ele adorava. Podiam pedir pelo nome de Deus, e ele não dava ouvidos. Aos gritos, porém, dos que se valiam da sua mãe, dava tudo o que podia. Bentinho, no entanto, começou a intrigar-se com aquele ódio de Sinhá Josefina pelo filho mais velho. Sempre fora assim, mesmo quando estavam no Araticum e que Aparício era rapaz novo. Agora a coisa devia ser diferente, pois a força dos

José Lins do Rego, Cangaceiros [1953], Lisboa, Livros do Brasil, s.d., p. 25, ls. 1-12.

terça-feira, 11 de junho de 2013

o lugar do estranhamento

Ler Para Sempre (1983), de Vergílio Ferreira é tanto mais compensador quanto melhor pudermos saborear a mestria com que o autor domina a arte de escrever. São precisos muitos anos de escrita, de reescrita (e de vida, também) para que a mão surja tão miraculosamente adestrada, o tempo da narrativa tão sabiamente contido, a reflexão interior tão percucientemente formulada. Os temas recorrentes do fim e da infância são-nos dados nos capítulos iniciais, em que -- a par de  uma primeira referência a Sandra, que percebemos ser alguém determinante e de aparições fantasmáticas de velhas tias -- o protagonista que regressa à «casa», ao lugar do crescimento e de estranhamento inicial; ao tempo e ao espaço em que foi Paulinho, mas não feliz.

cabaz da Feira, em tempo de crise

Decidi este ano que não compraria livros acima de três euros. Se há crise, então Feira do Livro tem de ser sinónimo de pechinchas. Sem referir os dos crianços:

Anna Seghers, O Passeio das Raparigas Mortas (Vega)
António Botto, Os Olhos do Amor e Outros Contos (Minerva)
Arquimedes da Silva Santos, Cantos Cativos (Livros Horizonte)
Gabrielle Giuca, Barco Negro (Egeac / Museu do Fado)
Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (Minerva)
Joel Serrão, Fernando Pessoa, Cidadão do Imaginário (Livros Horizonte)
Pedro Tamen, Os Quarenta e Dois Sonetos (Livros Horizonte)
Reinaldo Ferreira (Repórter X), Memórias de um Chauffeur de Taxi (Livros do Brasil)
Reinaldo Ferreira (filho), Poemas (Vega)
Sidónio Muralha, 26 Sonetos (Livros Horizonte)

sábado, 8 de junho de 2013

uma carta de Alberto d'Oliveira


imagem daqui
Ex.mos Srs.

Com muito prazer me associo à justa homenagem, que VV. tomaram a iniciativa de promover, à memória do nosso ilustre confrade Delfim Guimarães.
A-pesar-de sermos conterrâneos, só tive ocasião de o conhecer pessoalmente há poucos meses; e realizou-se êsse encontro em circunstâncias que não esqueci e que bem assinalam os raros dotes de coração e de carácter que, não menos que os da inteligência, caracterizavam a figura de Delfim Guimarães. Por isso as vou narrar aqui ràpidamente.
Em Outubro do ano passado foram convidados alguns amigos e admiradores de António Feijó a reünir-se no gabinete do Dr. Júlio Dantas, na Biblioteca Nacional, para deliberarem sôbre a realização do monumento que se projectava erigir ao insigne poeta minhoto na sua tão amada vila natal de Ponte do Lima. Estava eu então em Lisboa e, correspondendo ao apelo que me foi dirigido, compareci à reünião. Quasí ao mesmo tempo que eu chegava também, pelo braço do nosso comum amigo Dr. Araujo Lima, um homem de fisionomia atraente, mas parecendo muito doente e exausto de fôrças, que logo depois soube ser Delfim Guimarães. Vinha arquejante de ter subido a longa escadaria do velho convento fransciscano e mal podia falar quando entabolámos conversa.
Referiu-se ao seu estado de saüde com a tristeza de quem lhe conhecia a gravidade: e com efeito, de vê-lo e ouvi-lo. fiquei comovidamente certo de que êle já não tinha senão um fio de vida. Meses depois êsse fio partia-se sem nenhuma surpreza minha.
Mas o que aumentou nesse momento a minha comoção foi ver Delfim Guimarães, que me parecia agonizante, tomar parte tão efectiva e dedicada naquela reünião dos amigos de um poeta morto e valorizar essa adesão não só com a sua presença num lugar de acesso tão penoso e até perigoso para a sua saüde, como pelo oferecimento, que se apressou a fazer com calor, dos seus serviços e préstimos, para que o projecto em discussão não tardasse a converter-se em realidade.
Êsse homem tão vizinho da morte, e sabendo-o, que se esquecia completamente de si para se votar tão afanosa e desinteressadamente ao culto de outro poeta, que já só existia na memória dos que o amaram e admiravam, não era certamente do número daqueles para quem se fez o moto: «Les morts vont vite». Mas, e ainda melhor, também não era daquelas numerosas almas a quem o egoísmo, se as não dominou sempre, acaba por vencer, de tal modo o instinto de conservação é preponderante e quasi legítimo no homem. Aquele poeta sofria de grave doença do coração: mas o seu coração, quasi sem corda, estava moralmente intacto e vigoroso e continuava a bater com a mesma pontualidade e carinho pelos seus amigos vivos ou mortos.
VV. acharão talvez, como eu, que êste singelo facto que lhes ofereço retrata com justeza as feições morais de Delfim Guimarães. Se assim é, queiram incluí-lo no seu In Memoriam e aceitem os mais atenciosos cumprimentos do

                                                De VV. confrade muito de dicado e obrigado

                                                                     Alberto d'Oliveira
Bruxelas, 22 de Agosto de 1933.

In Memoriam de Delfim Guimarães -- 1872-1933, organizado por Galino Marques, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1934.