domingo, 30 de abril de 2017

A SELVA (1930): selva metafórica e selva literal

Selva metafórica e selva literal, em ambas presente a necessidade vital de superação, na «luta desesperada de caules e ramos».

«Adivinhava-se a luta desesperada de caules e ramos, ali onde dificilmente se encontrava um palmo de chão que não alimentasse vida triunfante. A selva dominava tudo. Não era o segundo reino, era o primeiro em força e categoria, tudo abandonando a um plano secundário. E o homem, simples transeunte no flanco do enigma, via-se obrigado a entregar o seu destino àquele despotismo. O animal esfrangalhava-se no império vegetal e, para ter alguma voz na solidão reinante, forçoso se lhe tornava vestir a pele de fera. [...]» Cap. V, 32ª ed., p. 106. (16 de Julho de 2005)

romance histórico,

Miguel Real lança dois livros duma assentada: o ensaio O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa e um romance, a suceder ao excelente Memórias de Branca Dias: A Voz da Terra. Diz ele em micro-entrevista: «O romance histórico não deve reproduzir ficcionalmente a História, mas iluminá-la, abrindo-a a outras interpretações.» (23 de Novembro de 2005)

A SELVA (1930): o rebanho

Aportados a Manaus, numa escala, os futuros seringueiros são proibidos de desembarcar para uma simples visita à cidade pelo angariador de mão-de-obra, Balbino. O trecho abaixo, referente à atitude de Alberto em não acatar uma decisão autoritária, reflecte um espírito de insubmissão e rebeldia, além de desgosto pela passividade dos restantes trabalhadores.

«Ia a voltar-se para encarar quem punha dúvida na sua resolução, que era firme, mas logo se deteve numa atitude de orgulho juvenil. Tanto como aquele que cerceava a liberdade, indignava-o a alma submissa dos que acatavam, silenciosa e passivamente, a ordem iníqua. "iria! Iria custasse, o que custasse!» Cap. III, 32ª ed., pp. 64-65.

Eça e Camilo


Resultado de imagem para eça de queirós, a capital!
A Capital! depois de Doze Casamentos Felizes, e ocorre-me: «Como seriam as vozes de Camilo e Eça? Como soariam?» Suponho a de Eça ligeiramente nasalada e aguda, como que a deixar-nos à-vontade -- talvez (passe o cliché naturalista) para melhor nos estudar. Quanto à de Camilo, sinto-a mais áspera e grave, a pôr-nos em guarda -- ela, que ao soltar-se já estaria de sobreaviso... (20 de Junho de 2015)

A SELVA (1930): da dignidade individual



O extremar de posições é-nos dado pelos preconceitos da personagem principal, Alberto, um estudante de Direito, monárquico insurrecto de Monsanto, e por isso exilado; e um conjunto de gente ignara, acomodada naquele «curral flutuante» e conduzida em pura inércia de sobrevivência, um pouco o que acontece com os rebanhos. Não por acaso as noções de fraternidade e bem-estar, palavras-chave das doutrinas de revolução social, aparecem ligadas neste contexto de animalização dos futuros seringueiros, contrário, por isso, à sua intrínseca dignidade de homens. Este conceito de dignidade, geral e individual, é fundamental em Ferreira de Castro.

O extremar de posições é-nos dado pelos preconceitos da personagem principal, Alberto, um estudante de Direito, monárquico insurrecto de Monsanto, e por isso exilado; e um conjunto de gente ignara, acomodada naquele «curral flutuante» e conduzida em pura inércia de sobrevivência, um pouco o que acontece com os rebanhos. Não por acaso as noções de fraternidade e bem-estar, palavras-chave das doutrinas de revolução social, aparecem ligadas neste contexto de animalização dos futuros seringueiros, contrário, por isso, à sua intrínseca dignidade de homens. Este conceito de dignidade, geral e individual, é fundamental em Ferreira de Castro.

«A sua epiderme contraía-se sob a força do asco que o convés imundo lhe causava. Sentia-se inadaptado, estranho ali, quase inimigo das vidas que o cercavam, aparentemente alheias a tudo quanto não fossem imposições do corpo e aderindo, resignadas, a todas as contigências.
Magoava-o a facilidade com que outros recrutados dormiam tranquilamente um sono que era, para o egoísmo dele, quase uma afronta.
E sorria, depreciativamente, ao pensar no apostolado da democracia, nos defensores da igualdade humana, que ele combatera e o haviam atirado para o exílio. «Retóricos perniciosos! Queria vê-los ali, ao seu lado, para lhes perguntar se era com aquela humanidade primária que pretendiam restaurar o mundo. Via-se o que tinham feito! Tudo na mesma, sempre a mesma violência, a demagogia até. E ainda havia os que queriam ir mais longe no desvario, destruindo fundo os caboucos sociais, desmoronando uma obra construída e cimentada pela velha experiência dos séculos. E para quê? Para quê? Possuíam alma essas gentes rudes e inexpressivas, que atravancavam o Mundo com a sua ignorância, que tiravam à vida colectiva a beleza e a elevação que ela podia ter? Se a possuíssem, se tivessem sensibilidade, não estariam adaptados como estavam àquele curral flutuante. Mas não. Mas não. Era o seu meio e, se as transplantassem, ficariam tímidas, desconfiadas e murchas, como bichos selvagens nos primeiros dias de jaula. Ele e os seus, declarados inimigos da igualdade, defensores de élites, eram bem mais amigos dessa pobre gente do que os outros, os que a ludibriavam com a ideia duma fraternidade e dum bem-estar que não lhe davam nem lhe podiam dar. Só as selecções e as castas, com direitos hereditários, tesouro das famílias privilegiadas, longamente evoluídas, poderiam levar o povo a um mais alto estádio. Mas tudo isso só se faria com autoridade inquebrantável -- um rei e os seus ministros a mandarem e todos os demais a obedecer. O resto era fantasia maléfica de sonhadores ou arruaceiros. (...)» (Cap. II, 32ª ed., pp. 46-47.) (15 de Julho de 2005)

forma & conteúdo

A propósito da leitura dos dois ensaios que compõem o voluminho Sobre o Romance Contemporâneo, publicado em 1940 e redigido um par de anos antes, na prisão:
Casais Monteiro, um poeta menor, foi um excelente ensaísta, dos melhores do seu tempo. Havia então uma querela entre a chamada literatura humanista, neo-realista, que tinha os mais estrénuos defensores em Mário Dionísio e Álvaro Cunhal e, doutra parte, aqueles que, acusados de «psicologismo», elitismo e até de desumanidade -- porque não punham os problemas materiais do homem na primeira, ou na segunda, linha das suas preocupações enquanto artistas -- gravitavam em torno da revista presença. A história veio dar razão a Casais, a Régio e a Gaspar Simões, directores da folha coimbrã, não porque o outro lado não tivesse autores de primeira água, que os tinha, simplesmente porque o que sobrevive hoje dessa literatura tem que ver com questões de todas as épocas: por um lado, o homem visto como um problema total, não só material mas também espiritual; por outro, os aspectos da técnica literária, principalmente narrativa, que uma boa parte dos escritores política e/ou socialmente empenhados dominavam muito bem. A querela aludida acima, se hoje (nos) é risível, causou então fortíssimas polémicas, interessantíssimas historicamente, mas que actualmente seriam, mais do que intoleráveis, ridículas... (5 de Junho de 2005)

A SELVA (1930): gente sem crónica (romance social e ética da escrita)



Do «Pórtico», 1ª edição de A Selva, de Ferreira de Castro (1930), as naturais referências aos seringueiros, «à gente sem crónica definitiva», objecto das preocupações sociais do autor. A conquista do pão é um dos mais conhecidos e importantes livros do príncipe Piotr Kropótkin, uma das grandes figuras da história do anarquismo, influência decisiva em Ferreira de Castro, sobre quem, de resto, projectou escrever uma biografia, nos anos 30, a pedido do poeta brasileiro Martins Fontes, um devoto do libertário russo.


 «Eu devia êste livro a essa Amazonia longínqua e enigmática, pelo muito que fez sofrer os primeiros anos da minha adolescência e pela coragem que me deu para o resto da vida. E devia-o, sobretudo, aos anónimos desbravadores, gente humilde que me antecedeu ou acompanhou na brenha, gente sem crónica definitiva, que à extracção da borracha entrega a sua fome, a sua liberdade e a sua existência. Livro bárbaro, como a vida que enquadra, como o scenário que lhe serve de fundo, êle completa em muitos pontos, à margem do entrecho, o meu romance «Emigrantes».
Num, a paísagem ridente do sul do Brasil; noutro a paísagem magestosa do Norte. Em «Emigrantes», o exílio pelo estômago; neste, o destêrro pelo espírito. E nos dois, a uni-los indissoluvelmente, a luta pela vida, a conquista do pão, a miragem do oiro -- um oiro negro que é miséria, sofrimento e quimera com que os pobres se enganam. (...)» (12 de Julho de 2007)

contos portugueses - P

2. «Palhaços», Julião Quintinha, Cavalgada do Sonho (1924): «Como vieste dar aqui, Tonica?!»

1. «(O) Patrão», Miguel BarbosaRetalhos da Vida (1955)«Desviei-me demasiadamente tarde.»

contos portugueses - I

1, «Inconfidência», Conde de Arnoso,  De Braço Dado (1894): «Trouxe-nos hoje o correio novas do extremo oriente.»

contos portugueses - S

2. «Sozinha no cemitério», Sarah Adamopoulos,  A Vida Alcatifada (1997): «A infância mantinha-a viva.»
1. «(O) Suave Milagre», Eça de Queirós [1898], Contos (póstumo, 1902):  «Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galileia e das doces, luminosas margens do lago Tiberíade: -- mas a nova dos seus milagres penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar.» 

contos portugueses - J

1. «(O) Jantar do Bispo», Sophia de Mello Breyner AndresenContos Exemplares (1962): «Era uma casa grande, branca e antiga.»

contos portugueses -N

2. «Narcisa», Maria Archer,  A Primeira Vítima do Diabo (1954): «O quadro da tragédia é a paisagem beirã, colinas debruadas de cunhais em cujos côncavos se aninha a agricultura pobre da região.»
1.«(A) Noite do Natal»,José Maria de Andrade Ferreira in Archivo Pittoresco (1858): «Corria a noite de vinte e quatro de Dezembro, e dez horas acabavam de soar na freguesia de uma aldeia da província do Minho.»

reportagens portuguesas - A

1. «Alexandre Herculano», Fialho de AlneidaFiguras de Destaque (póstumo, 1924): 
«Chego a Santarém pelas 11 horas da manhã.»

contos portugueses - E

1. «Em Viagem», Conde de ArnosoDe Braço Dado (1894): «Uma noite, em Kobe, em lugar de ir percorrer os bairros pitorescos da cidade, deixei-me ficar na banal casa de jantar do Hôtel des Colonies, comodamente sentado à beira do lume, conversando com uma senhora inglesa, viúva e já idosa, que sozinha viera da Austrália passar os meses de inverno ao Japão.»

crónicas portuguesas - F

2. «(O) Fadista», Conde de SabugosaDe Braço Dado (1894): «Também se transformou!»
1. «(A) Festa do Natal -- A festa das crianças e uma que não se divertiu», Ramalho Ortigão,  As Farpas, vol. V: «Lisboa prepara neste momento a festa do Natal.»

contos portugueses - C

1. «(O) Corte das Raízes», Mário DionísioO Dia Cinzento (1944)«Nada melhor do que essa lufada de ar fresco quando transpunha a porta da casa e se encontrava enfim na rua.»

contos portugueses - M

1. «(A) Mosca Verde», Natália Nunes,  A Mosca Verde e Outros Contos (1959): «Não sabia como, mas o que é certo é que o petiz fora desencantar aquilo ao fundo do armário.»

sexta-feira, 21 de abril de 2017

a novelística portuguesa -- I: 4,6-5


13. Ferreira de Castro, A Experiência (1954) - 4,8
12. Ferreira de Castro, Eternidade (1933) - 4,7
11. Eça de Queirós, São Cristóvão (póstumo, 1911) - 4,8
10. Hélia Correia, Lillias Fraser (2001) -5
9. Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013) - 5
8. Ana Margarida de Carvalho, Que Importa a Fúria do Mar (2013) - 5
7. Ferreira de Castro, A Tempestade (1940) - 4,6
6. Ferreira de Castro, A Missão (1954) - 5
5. Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947) - 5
4. João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988) - 5
3. Orlando da Costa, O Signo da Ira (1961) - 5
2. Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) - 5
1. Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975) - 5