segunda-feira, 20 de março de 2017

microleituras

Digamos que uma iniciativa como esta, uma Antologia do Conto Português, a acompanhar um jornal de grande tiragem como o Correio da Manhã (não me lembro se os livrinhos eram gratuitos) é sempre uma boa e louvável ideia. Mesmo se a escolha dos autores passe pela bitola baixa daqueles cujos direitos estavam já em domínio público, como é o caso do Camilo e dos outros escritores contemplados. Já custa mais a engolir a edição paupérrima (embora co-editada por um banco), só se aproveitando o grafismo das capas, com alguma originalidade. Nem falo do mau papel, mas da total ausência de critério na escolha dos textos e, consequentemente, da inexistência de um mínimo de aparato editorial: porquê estes e não outros textos?; quem os escolheu?; de onde foram extraídos?;  quem redigiu as escassas notas de rodapé? (Eu até acho que sei quem foi, e cheira-me que estas narrativas breves foram pirateadas às obras completas da Parceria A. M. Pereira).
Dos três textos antologiados, um, o do meio, não é conto, mas a primeira narrativa publicada por Camilo, sem o nome na capa, Maria! Não Me Mates que Sou Tua Mãe! (1848), uma lamentável mixórdia de cordel, de que só se continua a falar por o autor ser quem é.
Quanto às restantes, já o caso fia mais fino. Embora participem da categoria da literatura comestível, coisinhas que o Camilo fazia para ganhar uns trocos, pois da escrita vivia, sempre são dois camilos, e os camilos degustam-se. Trata-se de «Como ela o amava!», das Noites de Lamego (1863) e «Beatriz de Vilalva», das Noites de Insónia (1874), fiquei a sabê-lo graças ao Google, que, se não existisse, ainda teria à mão o meu Alexandre Cabral para informar -- instrumentos que ou não existiam à data da edição ou que, no caso do Dicionário de Camilo Castelo Branco não se encontraria na generalidade dos lares.
Duas historinhas de amores contrariados em habitat camiliano, o Norte, uma com final trágico, outra semi-feliz. É o que menos interessa: são títeres de Camilo, bonecos esquemáticos, sem espessura. O que importa é, sempre, o bravo e grande estilo, o seu humor cáustico e desapiedado, como fica exposto logo no primeiro parágrafo de «Como ela o amava!»:

«Aos 24 de Agosto, na povoação chamada Cavez, cuja ponte, sobre o Tâmega, extrema pelo norte as duas províncias do Minho e Trás-os-Montes, celebra-se a festa de S. Bartolomeu, santo gravemente infesto a Satanás. Vêm aqui, de muitas léguas em volta, dezenas de criaturas obsessas. É para notar que raro homem que ali vá incubado de demónio. As mulheres é que, por cima de muitas outras penas, sofrem o dissabor de serem visitadas pelos espíritos infernais, caso único, a meu ver, em que os sobreditos espíritos se mostram espirituosos.» («Como ela o amava!»)

ficha:
Autor: Camilo Castelo Branco
título: Antologia do Conto Português
colecção: «Antologia do Conto Português» #4
editores: Correio da Manhã e Banco Nacional Ultramarino
local: Lisboa
data: [1991]
impressão: Mirandela - Artes Gráficas
págs. 45

quarta-feira, 8 de março de 2017

Júlio Dinis, algumas aparas

Que penso eu do Júlio Dinis?
Um extraordinário talento de novelista, notável encenador de ambientes e situações.
A segunda metade do século XIX na novelística portuguesa é Camilo-Júlio Dinis-Eça. O resto é secundário. Por alguma razão ele sobreviveu, ao contrário doutros autores estimáveis, mas cujo desempenho não chegava aos calcanhares do criador d'A Morgadinha dos Canaviais.
Não o conheço a fundo: li três dos seus quatro romances e um ou outro conto ou disperso; falta-me a juvenília, para a qual não estou muito virado, e o paraliterário (correspondência, etc.), mas, homem do Porto e mão inglesa, suponho-o um liberal distante da politiquice e do caciquismo.
Detractores, teve e ainda terá uma quantidade deles. Entre nós, o apoucamento de grandes escritores deve-se a pelo menos uma de três desrazões: ressentimento despeitado dos contemporâneos, sectarismo ideológico, o deslumbramento basbaque, Os primeiros, os mais tristes; os últimos, tristemente risíveis. Por isso, ainda corre que por aí que o Júlio Dinis é autor de romances cor-de-rosa, país desgraçado.
Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho, Porto, 1839-1871), é um dos meus escritores.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Camilo Castelo Branco, algumas aparas

Que penso eu do Camilo?
Costumo dizer que ele vale por toda uma literatura. Está no mesmo patamar da poesia trovadoresca, do Camões, do Padre António Vieira, entre outros poucos. Isto é: podia a literatura portuguesa contar apenas com o CCB, e já poderíamos dar-nos por felizes.
Execrável criatura, imoral, porventura amoral, porém fisicamente corajosa. Demolidoramente sarcástico, violento até à bengalada.
Ideologicamente instável, menos reaccionário do que se supõe, oportunista no que fosse preciso.
Detractores, não creio que os tenha hoje, mesmo entre os que preferem o Eça. Já é um clássico.
Conheço-lhe a obra deficientemente (uns quinze títulos ou pouco mais), na proporção incomensurável que logrou alcançar, o suficiente, porém, para um juízo não muito erróneo.
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, freguesia dos Mártires, Lisboa, 16 de Março de 1925 -- São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, 1 de Junho de 1890), é um dos meus escritores.