quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Papel de mosca


Andava cheio de vontade de o ler. Novidades, novidades, não dei por elas, a não ser o que tem que ver com politicalha, a alta roda da União Europeia (oh, o tutear dos estadistas...), as reuniões entre os líderes, os jantares confidenciais, etc.
Mas parece ser um trabalho competente de David Dinis e Hugo Filipe Coelho, papel de moscas em reuniões à porta fechada, seguindo a-par-e-passo aquele período do pec IV e do pedido de resgate.
Sócrates obstinado, Cavaco calculista, Portas malabarista, Passos ávido e empurrado para a frente, Teixeira dos Santos saco de pancada, Pedro Silva Pereira ministro adjunto, Durão Barroso, o nosso homem na Europa (como se tivesse feito alguma diferença).
O livro não responde, nem lhe cumpria, à pergunta se o pec IV, com o aval alemão, teria chegado. A avidez pelo pote de Passos e apaniguados não permitiu sequer assistir ao eventual falhanço desse pec. 
Apesar de tudo muito fresco, é útil relembrar alguns episódios de pouca grandeza.

David Dinis e Hugo Filipe Coelho, Resgatados -- Os Bastidores da Ajuda Financeira a Portugal, 3.ª ed., Lisboa, A esfera dos Livros, 2012.

O hindu nos olha com ar sóbrio e decidido.

O hindu nos olha com ar sóbrio e decidido. Não parece perdido ou deslocado. Como se tivesse por certo sua história a contar. Entre seu turbante, brincos e colete de linho escuro riscado, pode-se perguntar por que e como teria chegado ao inferno verde. O artesão de imagens Dana Merrill numerou todos os negativos que fez em 1909-10, como fotógrafo oficial contratado pela Brazil Railway Company, empresa que construía a ferrovia Madeira-Mamoré. Este close-up do hindu anônimo, número 1350 talhado na borda do colete, foi o que me cativou para iniciar as pesquisas que resultaram em Trem-fantasma, minha madalena nunca antes provada, estranhamento radical que é o que talvez separe o reconhecimento dos sinais da memória pessoal dos da história coletiva.
Início de Trem-Fantasma -- A Ferrovia Madeira-Mamoré e a Modernidade na Selva, de Francisco Foot Hardman, 2.ª edição, 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

12x25

[repreen]deu-o vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso, para o não desonrar.
     O homem, porém, ficou com ódio ao cão, e muito tempo depois, aproveitando a ausência do quinteiro e dos filhos, chamou o Piloto, que correu para ele sem desconfiança; atou-lhe uma corda ao pescoço e arrastou-o à margem do ribeiro.
     Atou à outra ponta da corda um grande calhau, e, levantando o animal, arrojou-o à água; mas arrastado ele próprio com o peso e com o esforço, caiu também.

Guerra Junqueiro, Contos para a Infância,  s.ed., Porto Lello & Irmão, 1978, p. 25, ls. 1-12.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

a comprar (qualquer dia)


Melo Antunes -- Uma Biografia Política, de Maria Inácia Rezola (Âncora Editora). Figura central do 25 de Abril e também do 25 de Novembro. Mal amado à esquerda, pela independência e moderação, a direita ajustou contas quando pôs a cabecinha de fora.
A Grande Fome de Mao, de Frank Dikötter (Dom Quixote). Mais uma catástrofe do comunismo. Era cool ser-se maoísta, não era?
Acta Est Fabula -- Memórias I -- Lourenço Marques (Opera Omnia). Um grande cronista e ensaísta, um dos meus escritores preferidos, pela lucidez, pela coragem, pelo estilo. Conheço-o e gosto.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

...universal.

Os homens com os seus desastres e as suas derrocadas, se souberem realmente lutar e ser sublimes, serão sempre, em todas as circunstâncias, dignos de curiosidade universal.

Final do ensaio de José Bacelar, Da Viabilidade do Romance Português de Interesse Universal, Lisboa, Seara Nova, 1939, p. 123. 

(MOSCOVO, 1952 -- OS DESMEMORIADOS)

Ilya Eremburg e eu chegamos silenciosos de uma conversa com figuras gradas nos altos escalões a propósito de nosso amigo Jan Drda, atendendo pedido que ele me fez em Praga de onde venho para receber o Prémio Internacional Estaline da Paz: o prémio me credencia. Estamos em Janeiro de 1952, vinte graus abaixo de zero, vento gélido varre as ruas de Moscovo, emborcamos os cálices de vodca no apartamento da rua Gorki, Ilya me diz: Jorge, somos escritores que jamais poderemos escrever memórias, sabemos de mais. No abalo da conversa que acabamos de ter, balanço a cabeça concordando.
Afirmação categórica não impediu que, alguns anos depois, durante o período de Krushtchev, ao se abrir uma pequena brecha no obscurantismo soviético, ao despontar de uma pequena luz no meio das trevas, o autor de Degelo publicasse sete tomos de memórias, sete, nada menos: no sétimo Zélia e eu figuramos, simpáticos personagens. E isso não é tudo, pois Irina me contou, em 1988, estar pondo em ordem os papéis do pai com o fim de editar vário volumes de memórias inéditas que ele não conseguir publicar sequer durante a abertura de Krushtchev: Ilya sabia de mais.
Durante a minha trajectória de escritor e cidadão tive conhecimento de factos, causas e consequências, sobre os quais prometi guardar segredo, manter reserva. deles soube devido à circunstância de militar em partido político que se propunha mudar a face da sociedade, agia na clandestinidade, desenvolvendo inclusive acções subversivas. Tantos anos depois de ter deixado de ser militante do Partido Comunista, ainda hoje quando a ideologia marxista-leninista que determinava a actividade do Partido se esvazia e fenece, quando o universo do socialismo chega a seu triste fim, ainda hoje não me sinto desligado do compromisso assumido de não revelar informações a que tive acesso por ser militante comunista. Mesmo que a inconfidência não mais possua qualquer importância e não traga consequência alguma. Mesmo assim não me sinto no direito de alardear o que me foi revelado em confiança. Se por vezes as recordo, sobre tais lembranças não fiz anotações, morrerão comigo.

Jorge Amado, Navegação de Cabotagem -- Apontamentos para um Livro de Memórias que Jamais Escreverei (1992), Mem martins, Publicações Europa-América, 1992, 

Àquela hora, seis da tarde...

     Àquela hora, seis da tarde, quando apenas o candeeiro de leitura, com o seu abat-jour verde, iluminava o tapete turco, as capas dos livros tirados das estantes, as páginas abertas do volume escolhido, o azul escuro e dourado do serviço de café em cima do velho banquinho com o seu bordado oriental, o quarto estava escuro. Sobretudo de inverno era muito escuro, com as cortinas corridas, muitas fileiras de livros encadernados, as paredes e o tecto apainelados em carvalho.. Tão grande, também, que o espaço iluminado, defronte do fogão, onde ele estava sentado, era como se fosse um oásis.

início de O Primeiro e o Último, de John Galsworthy, trad. de Domingos Arouca, Lisboa, Editorial Inquérito, 1940.
colecção «As melhores novelas dos melhores novelistas» #22

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

7 anotações de José Bacelar

Uma máxima não pretende defen-
der um ponto de vista ou indicar
uma direcção; uma máxima cons-
tata, simplesmente. Não é pois um
género actual.

1 - A tarefa do crítico é facilitada quando não se trata já duma primeira obra. Uma frase resolve tudo: «É pior que a anterior».

2 - Importunamos os outros se lhes pedimos a respeito do que escrevemos a sua opinião; ofendemo-los se não lha pedimos.

3 - Há uma espécie de indulgência que é a indulgência do desinteresse. Uma indulgência mil vezes nefasta -- porque igualiza tudo e todos.

4 - Gritar, vituperar, amaldiçoar -- está bem ainda. Mas ai daquele que não faz como os outros -- ai daquele que friamente levanta um pouco o véu!

5 - Procurar dizer a verdade, hoje em dia, tornou-se muito simplesmente um sinal de infantilidade. O homem de verdadeira categoria mental -- é aquele que sabe mentir bem.

6 - O filósofo deve preparar-se para ver que o abandonam aqueles mesmo que o aconselhavam a dizer toda a verdade -- quando essa verdade sai afinal mais verdadeira do que a eles lhes convinha. 

7 - Invocar a verdade com grandes atitudes na discussão dos incidentes do jogo -- eis o que agradará sempre aos contendores dum e doutro lado. Mas que um espírito mais inquieto surja, que, pondo de parte os episódios e as combinações desse jogo, demonstre muito simplesmente que os dados estão viciados, e verá voltarem-se contra ele -- tanto os amigos da mentira, como os amigos da verdade.

José Bacelar, «Prefácio» de  Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana, Lisboa, Portugália Editora, 1936. 

12x25



 Encasacado num lugar que confessa não ser seu, mas sim do professor cuja sapiência respeita, não falara à sua vontade.
     Porém, não foi essa a impressão de quem o ouviu ao que parece maravilhado pela magia da sua palavra fluente.
     Nesse mesmo ano conhece Hoffmannssthal e vai imediatamente ouvi-lo ao Clube Científico, numa conferência sobre Goethe.
     No ano seguinte -- em 1898 -- atreve-se a escrever a Emílio Verhaeren, poeta belga muito considerado dentro e fora do seu país e pertencente ao grupo dos chamados «Sim-

     António Augusto Ápio Gracia, Alguns Aspectos da Vida e Obra de Stefan Zweig, Porto, 1942, p. 25, ls. 1-12.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

LES INGÉNUS


Les hauts talons luttaient avec les longues jupes,
En sorte que, selon le terrain et le vent,
Parfois luisaient des bas de jambes, trop souvent
Interceptés! -- et nous aimions ce jeu de dupes.

Parfois aussi le dard d'un insecte jaloux
Inquiétait le col des belles sous les branches,
Et c'était des éclairs soudains de nuques blanches,
Et ce régal comblait nos jeunes yeux de fous.

Le soir tombait, un soir équivoque d'automne:
Les belles, se pendant rêveuses à nos bras,
Dirent alors des mots si spécieux, tout bas,
Que notre âme depuis ce temps tremble et s'étonne.

Paul Verlaine, Poèmes Saturniens (1866)

Verlaine por Gustave Courbet

domingo, 20 de janeiro de 2013

A raça dos Visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século.

A raça dos Visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século. Nenhuma das tribos germânicas que, dividindo entre si as províncias do império dos césares, tinham tentado vestir sua bárbara nudez com os trajos despedaçados, mas esplêndidos, da civilização romana soubera como os Godos ajuntar esses fragmentos de púrpura e ouro, para se compor a exemplo de povo civilizado.

início de Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano (1844), 40.ª ed. (edição crítica dirigida por Vitorino Nemésio), Lisboa, Livraria Bertrand, s.d.

repostagens - DON ROSA: PURA AVENTURA


Deu uma qualidade à BD Disney que há muito lhe faltava. Herdeiro espiritual do magnífico Carl Barks, foi influenciado pelo sortilégio das suas narrativas, aventuras puras. Com Rosa, as personagens ganharam densidade psicológica (a imagem do Tio Patinhas/Scrooge McDuck recolhido junto das campas dos pais, na Escócia natal*, seria impensável antes dele), deixando, contudo, de apresentar aquela frescura ingénua que víamos nas estórias de Barks. A trama, porém, é sempre bem urdida, e com verdeiro enlevo para com os nossos conhecidos cidadãos de Patópolis/Duckburg.
*«Uma carta de casa», Tio Patinhas nº 231, Março de 2005.
27 de Abril de 2005 (daqui).

sábado, 19 de janeiro de 2013

Era eu rapaz, e ainda impressionável,

     Era eu rapaz, e ainda impressionável, meu pai deu-me um dia um conselho que, desde então, me ficou às voltas na cabeça. Disse ele:
     -- Quando te sentires com vontade de criticar alguém, lembra-te disto: nem todos tiveram neste mundo as vantagens que tu tiveste.

iníco de O Grande Gatsby (1925), de F. Scott Fitzgerald,  trad. José Rodrigues Miguéis, Lisboa, Portugália Editora, s.d.

repostagens - PIRATAS

A figura do Barba Ruiva exerceu sempre sobre mim um fascínio a que não foram alheios o traço de Victor Hubinon e a destreza narrativa do grande Jean-Michel Charlier. Apesar disso, o poder caricatural duma certa dupla Albert-René foi tal, que não consigo pegar num álbum de aventuras do comandante do «Falcão Negro» sem que me venha à memória aquela angustiosa interjeição: «Os gau!... Os gaugau!...»

29 de Março de 2005
daqui

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

novidades (ou aceitam-se ofertas, que a vida está cara)

Agora e na Hora da Nossa Morte, de Susana Moreira Marques (Tinta da China). Pelo que tenho lido na imprensa, o fim, tratado com sentidos de repórter e profundidade de escritor.

O Coleccionador de Mundos, de Ilija Trojanow (Arkheion). Digamos que tenho sentimentos misturados em relação a biografias romanceadas. Tratando-se de Sir Richard Burton (não é o actor), tradutor do Kama Sutra, de As Mil e Uma Noites ou... Os Lusíadas, orientalista e aventureiro (ou aventureiro por que orientalista?), talvez mereça vencer resistências...

Utopias em Dói Menor -- Conversas Transatlânticas com Onésimo, de Onésimo Teotónio Almeida e João Maurício Brás. Há anos que me regalo nos jornais com o humor inteligente e culto e a ironia benigna de Onésimo Teotónio Almeida. Nunca calhou ler-lhe um livro, falta a colmatar, mesmo este digerido.

MODA

Eu queria te ver,
coxas de fora,
(como de fora vejo teus pelos do peito
pela camisa de seda),
a andares na rua.
entre assobios e apalpadelas,
o olhar disperso
como quem nada percebe.
e mostrando ao sentares,
subindo-te a roupa,
a cueca combinando com a gravata.

Leila Miccolis

in Heloisa Buarque de Hollanda. 26 Poetas Hoje [1976], 4.ª ed., Rio de Janeiro, Aeroplano Editora, 2004.  


Aquele fora um mês de más notícias.

Aquele fora um mês de más notícias. O deputado Artur Carneiro Macedo da Rocha, descendente da velha estirpe paulista, pensava com alegria que dentro em poucas horas aquele fatídico mês de Outubro do ano de 1937 estaria terminado, talvez Novembro se iniciasse sob melhores auspícios.
Jorge Amado, Os Subterrâneos da Liberdade. 1 Os Ásperos Tempos (1954), 5.ª ed. portuguesa, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1996.

a comprar


Fun Home, de Alison Bechdel (Contraponto). Adoro a bd auto-referencial, desde o Robert Crumb, passando pelo grande Art Spiegelman até à princesa Marjane Satrapi (e estou em ânsia para ler o Cyril Pedrosa). Por isso há anos acompanho o blogue de Marco Mendes. Este parece bom.

Eça de Queiroz. Silêncios, Sombras e Ocultações (Colibri) e Sexo e Sensualidade em Eça de Queiroz (ed. do Autor), de A. Campos Matos. Se é de Campos Matos, não há palha nesta queirosiana -- o que nem sempre se pode dizer acerca desta e doutras Anas. Quanto ao segundo, haverá alguma referência a uma alegada inclinação homoerótica – que certos gays gostam de insinuar, mas que me parece grotesco wishful thinking da sua parte? A ver.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

de Pierre Loti

Há anos que eu observo estas relações da gata e da tartaruga, sempre no meio dos mesmos cactos: todo este pequeno mundo de animais e de plantas continua a sua tranquila existência no lar, enquanto eu parto para longe, a correr e a consumir a minha vida; enquanto as pessoas veneradas e queridas que rodearam a minha infância desaparecem pouco a pouco e fazem com que a casa fique maior e mais vazia...

Pierre Loti, Suleima, trad. Paulo Braga, Lisbopa, Editorial Inquérito, 1941.

(retrato por Henri Rousseau)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Obrigados a comprimirem-se à volta do czar...

Obrigados a comprimirem-se à volta do czar para defender a terra natal, prisioneiros no espaço imenso da planície, os Russos ignoraram durante muito tempo a revolta contra a ordem estabelecida.


Marc Ferro, A Revolução Russa [1967], trad. Ruy Belo, 2.ª ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1975.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

a comprar


Novembro, de Jaime Nogueira Pinto (A Esfera dos Livros). É um dos intelectuais da(s) direitas(s) que aprecio ler e ouvir. Resistente ideológico ao 25 de Abril, é com inteligência e elegância que se move no espaço público da democracia, que não foi o seu. Por isso, a leitura deste romance autobiográfico suscita-me curiosidade.

Miramar, de Naguib Mahfouz (Civilização). Nunca li nada do Nobel egípcio. Dizem-no formidável. Alguma vez terá de ser a primeira.

A Diplomacia de Salazar (1932-1949), de Bernardo Futscher Pereira (Dom Quixote). Salazar ocupou os Negócios Estrangeiros no perigoso período da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial, sendo um habilíssimo político. A sua acção durante a Guerra Civil de Espanha é magistral no cumprimento dos objectivos políticos e estratégicos que perseguia. A entrevista ao autor que li no Expresso, aguçou-me o interesse.

P.S. Onde estão os grandes capistas (refiro-me aos livros de ficção, embora o do Salazar pudesse trazer uma imagem menos batida...)? As fotos são boas, mas a literatura precisa dum revestimento que não se compadece com capas de magazine ilustrado. 

Novembro

serve, mas não chega

A "Revista" do Expresso, convidou dez escritores a publicar uma curta narrativa de viagem, e abriu com José Rodrigues dos Santos. Nunca lera nada dele, não tanto por preconceito, mas porque a minha vida não vai chegar para as obras-primas que me faltarão -- sem contar com outras primas & conhecidas que terei de ler por obrigação. Dito isto, «Twilight Zone na Antártida» -- assim se intitula o texto -- é interessante. Como reportagem, serve; para literatura, não chega.

12x25

     Sua Majestade, o rei D. Carlos, visitou-o na sua humilde casa do Largo da Estrela, para o condecorar. Nunca pensara receber tão ilustre visitante.
     A emoção, exprime-a através dos seus versos, onde revela o seu omnipresente sentido de humor:

     "Que vindes cá fazer ó mocidade,
     Despedir-vos de mim. Quanto vos devo.
     Levo de vós também muita saudade
     Em lá chegando a outra vida...
     ESCREVO".

     Tarde gélida de Janeiro de 1896. Aos sessenta e seis anos, o poeta despediu-se da vida.

Dora Nunes Gago, A Sul da Escrita, Porto, Campo das Letras, 2007, p. 25, ls. 1-12.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

12x25

PRIMA

Onde se chega aos pés da abadia e Guilherme dá prova de grande agudeza.


     Era uma bela manhã de fim de Novembro. De noite tinha nevado um pouco, mas a fresca camada que cobria o terreno não era superior a três dedos. Às escuras, logo depois de laudas, tínhamos ouvido missa numa aldeia do vale. Depois tínhamo-nos posto a caminho para as montanhas, ao despontar o Sol.
     Como trepávamos pelo carreiro íngreme que serpenteava em torno do monte, vi a abadia. Não me espantaram as muralhas que a cingiam por todos os lados, semelhantes a outras que vi em todo o mundo cristão, mas a mole daquilo que depois soube que era o Edifício. Esta era uma constru-

Umberto Eco, O Nome da Rosa, trad. maria Celeste pinto, Lisboa, Difel, s.d., p. 25, ls. 1-12.

domingo, 13 de janeiro de 2013

o sofrimento


«O sofrimento não pode ter sentido senão quando leva à morte, e leva quase sempre.» 
André Malraux, A Condição Humana


sábado, 12 de janeiro de 2013

12x25

É profundamente injusto subsumir atitudes humanas -- em toda a sua variedade, em todos os seus cambiantes -- sob dois conceitos genéricos e polémicos como os de «apocalíptico» e «integrado». Certas coisas fazem-se porque dar título a um livro tem as suas exigências (trata-se, como veremos, de indústria cultural, mas procuraremos precisamente mostrar como este termo tem vindo a ser assumido numa acepção o mais possível descongestionada); e fazem-se também porque, se se quer elaborar um discurso introdutório aos ensaios seguintes, será preciso fatalmente identificar algumas linhas metodológicas gerais: e para definir aquilo que não se quereria fazer, revela-se cómodo tipificar até ao extremo uma série de escolhas culturais, que naturalmente seria analisadas em con-

Umberto Eco, Apocalípticos e Integrados , trad. Helena Gubernatis, Lisboa, difel, 1991, p. 25, ls. 1-12,

12x25

os homens viessem com a boca cheia das aldrabices que os mais antigos lhes impingiam para se armarem em fortes.
     -- A guerra aqui é como em todo o lado. Mas o melhor é esperares para veres, amanhã vais ter um bilhete na primeira fila -- adiantou para o soldado. Mudou rapidamente de conversa disparatando: -- Porque vieste para os comandos? Livravas-te de estares agora metido nestes apertos...
     -- Nem sei bem, um bocado por acaso, estava na recruta e toda a malta se metia comigo por eu ser alentejano. O meu capitão sabe que é raro um alentejano vir para os comandos? -- e continuou: -- Gozavam comigo por eu ser assim miúdo, chamavam-me alentejano dum cabrão,  mesmo os oficiais e os

Carlos Vale Ferraz, Nó Cego, Amadora, Livraria Bertrand, 1983, p. 25, ls. 1-12.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

12x25

O senhor Coutinho pretendeu desculpar a esposa. Os negócios corriam mal, e, precisamente nesse dia, fora com muita dificuldade que conseguira juntar os 80 mil reis da despesa diária. Da falta de mercadorias era certo e sabido ressentir-se a «gaveta»...
-- O senhor Morgado não tem querido auxiliar-me... Eu sei agora dum negócio...
-- Lá me obriga novamente o senhor a recomendar-lhe prudência. As hipotecas, não? Deixe-se disso. De resto, o senhor não perde nada em empenhar-se tanto! Eu pouco mais

Assis Esperança, O Dilúvio (1932), 2.ª ed., Lisboa, Guimarães & C.ª, 1947, p. 25, ls. 1-12.

12x25


 II. ERUDITO E DÂNDI?

1. Pode avançar-se que seja comum a nomes e obras que habitualmente contextualizam Fradique -- Gomes Leal e António Nobre, por exemplo -- o dandismo. As cartas de Fradique, os seus bons mots, a sua mesma ausência de obra -- a obra de Fradique é Fradique -- fazem parte de uma estratégia de entrada por efracção num cânone (ou na constelação de nomes próprios que a esse cânone correspondem), corrigido aqui, caso a caso, pela "atitude exacta" que provém do gosto (e Fradique é uma passagem da Geração de 70 aos Vencidos da Vida). A própria prosa sonhada por Fradique ou a sua visão excepcionalmente discriminante, na medida em que se definem, definem-se por relação a essa estética da exacta excepção.

Américo António Lindeza Diogo e Osvaldo Manuel Silvestre, Les Tours du Monde de Fradique Mendes: A roda da História e a Volta da Manivela, Sintra, Câmara municipal, 1993, p. 25, ls. 1-12. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

PREFÁCIO

1 - Uma máxima não pretende defender um ponto de vista ou indicar uma direcção; uma máxima constata, simplesmente. Não é pois um género actual.

2 - O autor de máximas procura a regra; mas não nega a excepção.

3 - O valor duma máxima não está apenas naquilo que ela diz, mas no eco que ela possa determinar na alma do leitor. Uma boa máxima não é mais, afinal, que um bom ponto de interrogação.

4 - Tem-se esquecido demasiadamente o homem como termo final de toda e qualquer actividade humana, a ponto de certas ciências se permitirem discutir soluções e tomar resoluções abstraindo quase das possíveis reacções dele. Mostrar, de tempos a tempos, um pouco o homem, e erguê-lo de novo acima de tudo o mais, terá pelo menos a vantagem de repudiar automàticamente um sem número de especulações arbitrárias e confusas, feitas em detrimento evidente da Humanidade.

5 - Há verdades que provocam gritos e protestos da direita, da esquerda outras, outras de todos os lados. Mas algumas há cujo efeito instantâneo é uma sideração. A resposta única, unânime, é o silêncio total, sob o qual dir-se-ia que uma ameaça de exterminação fermenta. Cremos de bom grado na justeza, na profundeza, na importância dessa espécie de verdades.

6 - A vida só tem de interessante aquilo que ela tem de pior. O autor de máximas, aquele que pretende fixar o que se escinde debaixo da aparência, será forçosamente um "pessimista". Os pensamentos do "optimista" não são máximas; serão, quando muito, ditirambos.

7 - O autor de máximas sobre o coração humano não cria em geral muito inimigos, pela simples razão que o leitor aplica a si mesmo as lisongeiras, e refere aos outros as restantes.


José Bacelar, Revisão -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana, Lisboa, Portugália, 1935.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

12x25

Não possuo filosofia em que possa mover-me como peixe na água ou o pássaro no céu. Tudo em mim é um duelo, uma luta travada a cada minuto da vida entre falsas e verdadeiras formas de consolo. Umas não fazem senão aumentar-me a impotência e tornar-me mais fundo o desespero, outras são fonte de temporária libertação. Falsas e verdadeiras! Deveria antes dizer verdadeira, pois só existe uma

Stig Dagerman, A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer (1955), trad. Paula Castro e José Daniel Branco, 4.ª ed., Lisboa, Fenda, 2004, p. 25, ls. 1-12. 

O jovem militar perfila-se

O jovem militar perfila-se ante o avião a rolar na pista e a fazer-se ao sul. Mantém o gesto de continência até o pequeno aparelho se diluir na neblina. Então cicia: «Adeus, Estado Novo!»

Início de nascido no Estado Novo, de Fernando Dacosta, Lisboa, Editorial Notícias, 2001.

domingo, 6 de janeiro de 2013

dar.

Volto-me para as minhas listas na esperança de que os sobreviventes literários descubram nelas alguns autores e alguns livros com que se não tenham ainda confrontado, e que recolham as recompensas que só a literatura canónica pode dar.

O fim de O Cânone Ocidental, de Harold Bloom, trad. Manuel Frias Martins, Lisboa, Temas & Debates, 1997, p. 474.

O ADEUS AOS FEIJÕES VERDES (Sarah Adamopoulos)

Um dia mudou tudo. Ela enchia-lhe a vida de sonhos e recebia on the road em troca. Ele enchia-lhe a vida de loucura e recebia aventura em troca. Era mais ou menos assim. Era fair enough. Era bom. Era partir. Ela gostava disso. De partir. Partia por vocação. O problema era quando o caminho chegava ao fim. Mesmo quando a estrada continuava. O fim do caminho era quando ele decidia que o melhor era transportar os sonhos para casa. O problema era que ele não sabia o que fazer com eles em casa. Por isso, havia sempre um dia que ele os empilhava em cima dos livros  e ela os deitava então para o lixo. Ela deitava os sonhos fora para que eles não ficassem a apanhar pó. É que mesmo que ele limpasse o pó e os acariciasse relembrando os dias em que os resgatara, de nada servia porque ela não gostava de os ver amontoados entre livros, catálogos de exposições e objectos vários a amarelecer.

»»»»»»»»»»»»»»»»»»

Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Vou fazer-te um filho. Mas eu não quero um filho. Mas eu preciso dum filho. Então manda vir. Mas eu quero um filho teu. Ou contigo. Ou qualquer coisa assim. Eu quero um filho. Então faz um. Mas um filho não se faz sozinho. Pois não. Faz-se com uma mulher que quer ter um filho. Dá-me um filho. Não. Então ele começou a beber. Quer dizer, a beber mais do que o habitual.. Bebia vodka pura gelada. Quando ela chegava, punha uma voz e uns trejeitos de Jack Nicholson e perguntava-lhe se era ela ou a cona dela que o tinha ido visitar. E depois começou a pintar filhos. Pegava em telas minúsculas e desenhava uma espécie de feijões verdes, ou camarões, ou talvez fosse mais parecido com cavalos marinhos. O atelier ficou cheio de telinhas, com aqueles filhos em começo de gestação. Parecem uns feijões verdes. mas não são verdes. pois não, são pretos. Pois, mas é que têm a forma dos feijões verdes. São os meus embriões. Só têm oito semanas. Adeus, vou-me embora. Não vás. Fica. Porquê? Porque eu gostava que ficasses. Adeus. Adeus! / Não afastes os teus olhos / dos meus !

Sarah Adamopoulos, A Vida Alcatifada, Lisboa, Fenda, 1997.

Comentário - Retrato desapiedado e irónico dum impasse conjugal. Gosto desta escrita desenvolta e rápida, mas nunca superficial, a mulher por cima.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Foi uma sorte para mim ter sido deportado para Auschwitz só em 1944,

     Foi uma sorte para mim ter sido deportado para Auschwitz só em 1944, isto é, depois de o governo alemão, devido à crescente escassez de mão-de-obra, ter decidido prolongar a vida dos prisioneiros a eliminar, concedendo sensíveis melhorias nas condições de vida e suspendendo temporariamente as execuções arbitrárias.

Prólogo de Se Isto É um Homem (1947), de Primo Levi, trad. Simonetta Cabrita Neto, Lisboa, Público, 2002.
«Colecção Mil Folhas» #15. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

12x25

[vol]tasse costas e fugisse. E Clem não era homem que fugisse de alguém; todos o sabiam, desde que, havia quinze anos, se fixara na região.
     Arch baixou-se e agarrou de repente a cauda de Nancy, enquanto Lonnie pensava no que faria Clem. Parecendo supor que Arch brincava com ela, Nancy voltou a cabeça para trás, até atingir a mão de Arch, para a lamber. Mas apanhou uma pancada na cana do nariz com o cabo da navalha de mola.
     -- Tens um cão muito divertido, Lonnie -- disse Arch, apanhando a cauda mais acima, --

Erskine Caldwell, selecção, tradução e prefácio de Manuel Barbosa, Coimbra, Atlântida Livraria Editora, 1960, p. 25, ls. 1-12.
colecção: «Antologia do Conto Moderno» 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

12x25

Conte mais! Oh Play it, Sam! Do it, Sam! Oh, dearest Sam! -- e dali a segundos -- Continue, continue!...»
     «não tenho muito mais para dizer-lhe; após a proposta estranhíssima desapareceu.
     voltará para saber a resposta e não sei o que fazer.»
     ela quase atropelou as palavras: «convença-o a abandonar a ideia, peço-lhe! se ele voltar a saber se concorda com a troca diga que a aceitará se ele fizer um último teste: mostrar-se com ela.
     se a pessoa a quem se mostrar permanecer indiferente poderá repensar. Oh! não sei, estou tão nervosa!»
     «acalme-se acalme-se» -- aconselhou ele

Filomena Cabral, Um Homem de Sonho, Lisboa, Edições Rolim, 1986, p. 25, ls. 1-12.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

12x25


[espíri]tos que se sentem arrastados pelo demónio, fora de si mesmos, para além do mundo real; e em Três Poetas de Sua Própria Vida, como seguindo caminho, que não conduz, nem ao mundo real, nem além dele -- caminho que volve sobre si mesmo, reconduzindo ao ponto de partida.
     Entre 1920 e 1933, enquanto prepara e publica através da Insel-Verlag (Editora), de Leipzig, os volumes mencionados de Os Construtores do Mundo e o de A Cura pelo Espírito (ensaios sobre Franz Mesmer, Mary baker-Eddy e Sigmund Freud) -- 1931, também desde então a fazer parte daquele conjunto, escreveu novelas como AmokCarta de Uma DesconhecidaVinte e Quatro Horas da Vida de Uma Mulher, a biografia Romain Rolland (1921), Os Grandes Momentos da Humanidade (1928),

Viriato Campos, Sobre Stefan Zweig e Sua Obras "Brasil" e "Magalhães", Odivelas, Europress, 1986, p. 25, ls. 1-12.
colecção: «Europamundo» #4

Conhecia-a há oito anos.

Conheci-a há oito anos. Era minha aluna. Já não ensino a tempo inteiro; rigorosamente falando, já não ensino literatura, ponto final -- há anos que tenho apenas uma aula, um grande seminário sénior sobre escrita crítica chamado Crítica Prática. Atraio uma boa quantidade de estudantes femininas. Por duas razões.

início de O Animal Moribundo (2001), de Philip Roth, trad. Fernanda Pinto Rodrigues, 2.ª ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2006.