segunda-feira, 28 de julho de 2014

leituras de 2014 #39 - A BALADA DA MÁQUINA DE LAVAR

Até há pouco desconhecia a série Para o que Der e Vier (For Better Or For Worse), da canadiana Lynn Johnston, publicada entre 1979 e 2008. Foi uma aposta da Gradiva, que infelizmente não vingou entre nós. E infelizmente porque a autora cultivou um humor mais refinado e adulto, acompanhando o envelhecimento das personagens (o que, à época, não era muito vulgar) com o seu próprio. A série tem aliás uma forte componente autobiográfica, 
A Balada da Máquina de Lavar (I've Got The One-More-Washload Blues, 1981) é o primeiro álbum da série e mostra-nos o dia-a-dia da família da classe média, os Patterson,  centrando-se na mãe, Elly, que decide ficar em casa a tomar conta dos filhos muito pequenos, enquanto o marido trabalha na sua clínica dentária. Muito bem conseguido o tratamento do tédio e da saturação, como o da felicidade e exaltação.   4****

ficha:
Autora: Lynn Johnston
título: A Balada da Máquina de Lavar
tradução: Gonçalo Terra
editora: Gradiva
local: Lisboa
ano: 2003
impressão: Multitipo - Arte Gráficas
págs.: 127

quinta-feira, 24 de julho de 2014

livros que me apetecem

Além da Literatura, de João Bigotte Chorão (Quetzal)
A Batalha -- 14 de Agosto de 1385, de Pedro Massano (Gradiva)
Os Caminhos Habitados, de Fernando Guimarães (Afrontamento)
 Pavel -- Um Homem não se Apaga, de Edmundo Pedro (Parsifal)






leituras de 2014 - #38 A HISTÓRIA DE BABAR



Historinha simples e ingénua, reflecte bem o que em 1931 se fazia para crianças: um elefantinho foge da floresta, após a mãe ser abatida por caçadores, desembocando em Paris (!), onde é acolhido por uma senhora muito rica que o trata como um menino. O melhor de tudo é mesmo o traço e os tons suaves de Brunhoff, deliciosamente de época.  3***  

ficha:
Autor: Jean de Brunhoff
título: A História de Babar, o Pequeno Elefante
tradução: Heloisa Prieto
editora: Schwarcz
local: São Paulo
ano: 1997
impressão: Prol Editora Gráfica
págs.: 30

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Leituras de 2014 #37 - IMAGENS DA OBRA DO PADRE MANUEL BERNARDES


Esta colectânea, apresentada e organizada por Lucília Gonçalves Pires, destina-se principalmente a estudantes; mas à falta de edições acessíveis decentes (ou mesmo indecentes) dos nossos autores canónicos, acaba por ter o leitor comum interessado como destinatário. E creio que cumpre a função como introdução à obra do Padre Manuel Bernardes (1644-1710), um exímio cultor da língua, passe o lugar-comum.
Porque faz sentido ler Bernardes em 2014? Pela mesma razão que não nos dispensamos de  ver a pintura de Sequeira ou de ouvir as sonatas de Seixas. O grande estilo não prescreve, e, tratando-se prosa edificante e religiosa, é irrelevante o sermos ateus, mesmo que o assunto seja Deus, o Diabo e a Virgem Maria, a salvação ou a condenação, Paraíso ou Inferno. Pelo contrário, se dotada de sincera profundidade, o supremo gozo do leitor é o de assistir à exímia arte da escrita desenrolar-se diante dos olhos, ao sábio dosear dos recursos de estilo, por forma a manipular o leitor ou o ouvinte. Atente-se neste exemplo retirado dos Exercícios Espirituais (1686), em que o autor procura definir Deus, terminando por admitir o aparente fracasso:
«[...] Deus é um supremo Senhor, de infinita majestade e perfeição, de infinita sabedoria, poder e santidade, o qual só de si mesmo é compreendido. É uma luz escuríssima por sua muita claridade, um abismo de perfeições, quanto mais conhecidas mais ignoradas, um ser eterno e incomutável, fonte de todo o ser criado. A Eternidade é o seu século, a Imensidade o seu trono, a Omnipotência o seu ceptro. Dentro de si, mora e vive uma vida felicíssima, sem princípio, sem fim, sem novidade, sem defeito, sem mudança. É Monarca independente, absoluto Senhor, Pai amoroso, de cuja bondade e glória comunicada estão cheios os Céus e a terra. Este é Deus, ou para dizer melhor, este não é Deus, porque Deus não é o que na palavra ou pensamento nem humano nem angélico pode caber. [...]»
Bernardes era também um grande narrador: os seus textos exemplares são construídos para prenderem o leitor/ouvinte, como se se tratasse duma obra de recreação profana e não aquilo que efectivamente pretendem ser: instrumentos para a salvação da alma.  4****

ficha:
Autor: Pe. Manuel Bernardes
título: Imagens da Obra do Padre Manuel Bernardes
edição: Lucília Gonçalves Pires
colecção: «Textos Literários» [#1]
editora: Seara Nova
local: Lisboa
ano: 1978
impressão: ELO, Mafra
págs.: 145

terça-feira, 22 de julho de 2014

12x25

«estranho que a constelação formada pelas palavras "pagão", "cristão" e "baptizados" não lhe tivesse facilitado a reprodução do texto.
     -- Pode explicar-me -- perguntei ao meu colega -- como conseguiu esquecer completamente um verso de uma poesia que afirmava ser-lhe tão familiar e se tem uma ideia da fonte donde provém a frase que substituiu o verso esquecido?
     Era capaz de me dar a explicação que lhe pedia, mas era evidente que não o fazia de boa vontade.
     -- A frase "Agora que cada dia traz algo de novo" não me é estranha; creio tê-la empregado recentemente ao falar»

Sigmund Freud, Psicopatologia da Vida Quotidiana, tradução de José Marinho, Lisboa, Relógio d'Água, s.d., p. 25, ls. 1-12.

domingo, 20 de julho de 2014

leituras de 2014 - #36 CASCAES

Capítulo de Sem Passar a Fronteira (1902),  é exemplo acabado de literatura nula, puxada ao pitoresco e ao anedótico. Por alguma razão Pimentel (1849-1925), polígrafo de dezenas de títulos, jaz justamente na vala comum dos escritores dispensáveis, lembrado apenas (e bem) para arqueologia camiliana, que da privança com o autor do Amor de Perdição nos deu alguns livros, incluindo uma das primeiras biografias do génio de Seide, e pouco mais.
Neste capítulo, dividido em quatro partes, apenas se aproveita uma curiosa descrição da antiga Calçada da Assunção (actual rua Marques Leal Pancada), a passagem pela porta do castelo, a evocação do 1.º marquês de Cascais e uma anotações importantes sobre a doçaria do sítio (que por acaso é a minha terra). O resto é penoso de tão inane.  1*

ficha:
Autor: Alberto Pimentel
título: Cascaes
colecção: «Memória de Cascais» #8
editora: Câmara Municipal de Cascais
local: Cascais
ano: 2000
impressão: Gráfica Europam, Mem Martins
págs.: 51

sexta-feira, 18 de julho de 2014

leituras de 2014 - #35 NOTAS DE RODAPÉ

O autor não é apenas professor de Literatura (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), como tem a particularidade de gostar dela, a Literatura -- o que nem sempre sucede --, e, o que é mais, sabe transmitir pedagogicamente essa paixão.
Estas Notas de Rodapé serão tal, na sua designação humilde, se nos reportarmos ao seu objecto: a grande literatura -- brasileira, principalmente, mas também portuguesa e de além-língua. Borges, Calvino e Eco, por exemplo, são abundantemente citados ao longo do livro, muitas vezes em epígrafes. Acontece que estas crónicas, publicadas na imprensa, foram escritas com o gosto de comunicar com os alunos e todos quantos pretendem aventurar-se no bosque da ficção. E, nesse aspecto, é excelente para aqueles leitores menos experientes, perdidos nos labirintos do mercado, nivelando ou soterrando os clássicos de ontem e de hoje na avalanche da subliteratura parida a esmo pela indústria editorial.
"Devaneios de um leitor solitário", subtitula Tôrres Freire o seu livro, desta forma despretensiosa e aparentemente leve, fazendo pontes para a História ou o Cinema, conduzindo sabiamente e dando ferramentas ao leitor interessado em distinguir o trigo do joio. Quase todos os Grandes brasileiros estão lá; e enquanto leitor português apreciei os textos consagrados a Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, José Saramago e António Lobo Antunes.  4****

ficha:
Autor: José Alonso Tôrres Freire
título: Notas de Rodapé
subtítulo: Devaneios de um Leitor Solitário
apresentação: Rosana Cristina Zanelatto Santos
editora: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
local: Campo Grande
ano: 2014
impressão: PROPP/UFMS
capa: ilustração de Liana Valle
págs.: 170

quinta-feira, 10 de julho de 2014

leituras de 2014 - #34 BLACKSAD

Lembremos as sombras de Alack Sinner e a virulência de Torpedo 1936. Vamos encontrá-las em Blacksad, com a particularidade de os episódios de violência, sexo & outros vícios serem protagonizadas por personagens antropomorfizadas, saídas do lápis de um desenhador da Disney -- e Guarnido foi-o, em tempos. Do meu conhecimento, havia  Canardo, que já entrara por aí; mas o pato era uma espécie de Columbo de penas, um pouco mais ébrio e atrevido. Claro, que o autor que mais longe levou o antropomorfismo na 9.ª arte adulta foi Art Spiegelman, mas estamos a falar doutro universo e doutro patamar.
Esta co-edição Público / Asa inclui os dois primeiros álbuns da série, Algures Entre as Sombras  (2002) e Arctic-Nation (2003): a primeira, passada em Nova Iorque, trata de um crime de assassínio de uma (eu ia escrever mulher...) fêmea de arromba, actriz que em tempos tivera um caso com o próprio Blacksad, seguindo a preceito os clichés do policial negro norte-americano. A Grande Maçã como uma Patópolis de ganância, desvio e luxúria. A segunda narrativa, é uma incursão muito conseguida no asfixiante universo das subterrâneas organizações racistas.   4****

ficha:

Autores: Guarnido & Dáz Canales
título: Blacksad -- Algures Entre as Sombras / Arctic-Nation
prefácio: Régis Loisel
apresentação: Carlos Pessoa
tradução: João Figueiredo Silva
colecção: «Grandes Autores de banda Desenhada» #3
editores: Público e Edições Asa
local: Porto
ano: 2008
impressão: SOCTIP
págs.: 104


livros que me apetecem

O Conde Negro, de Tim Reiss (Texto)
Diários , de George Orwell (Dom Quixote)
Os Factos, Philip Roth (Dom Quixote)
O Poeta Nu, de Jorge Sousa Braga (Assírio & Alvim)
Sobre a Violência, de Hannah Arendt (Relógio d'Água)



domingo, 6 de julho de 2014

leituras de 2014 - #33 AS VIAGENS DE FILINTO

Testemunho romanceado da vida de seminarista que o autor conheceu na juventude. A meu ver, a leitura fará mais sentido encarada como relato memorialístico do que como ficção, apesar de existirem elementos ficcionais (e até de fantástico, como um viajante no tempo sob o qual a narrativa se estrutura). O subtítulo, Memórias de uma Estranha Primavera, é, aliás, bastante claro.  
Um aspecto interessante do livro é o da não coincidência com outros textos de temática idêntica sobre a vida nos seminários, habitualmente mais negros. Não que o trauma não esteja presente -- nada mais natural num universo disciplinador vivido durante a adolescência; porém, a narrativa é destituída dos episódios escabrosos que à partida aguardamos, quando se trata de seminários ou internatos. (Preconceito, ou sorte de quem viveu esta história concreta?) Há passagens particularmente interessantes, entre as quais destaco as que giram em torno do afastamento da casa e da família, das saudades lancinantes, que afloram como a mais dolorosa provação de Filinto, ou seja, o autor.   3***

ficha:
Autor: Fernando Faria
título: As Viagens de Filinto
subtítulo: Memórias de uma Estranha Primavera
colecção: «Viagens na Ficção»
editora: Chiado Editora
local: s.l.
ano: 2012
impressão: Break Print
ilustrações: Jorge Larguito e Salanga Ricardo
capa: Prasad Silva
págs.:233

quinta-feira, 3 de julho de 2014

leituras de 2014 - #32 LAZARILHO DE TORMES

Livro anónimo do século XVI, Lazarilho de Tormes  inaugura uma das marcas distintivas da literatura espanhola, a novela picaresca.
Lázaro, um habilidoso mal-nascido, sustenta-se como criado de diversas figuras-tipo, normalmente mais malandras do que ele, e que se vão sucedendo: um cego, um clérigo, um escudeiro, um frade, um proclamador de bulas, um capelão e um aguazil. Com excepção do escudeiro, pobre fidalgote que tudo faz para ocultar a miséria do seu estado, os outros sevandijas exploravam Lázaro, sem piedade. Mas, para velhaco, velhaco e meio, acabando, no final, o anti-herói por levar a melhor, ou quase, conseguindo uma colocação como pregoeiro em Toledo.
Livro subversivo, satirizando clero, nobreza e o funcionalismo emergente, não é de estranhar que o autor tenha querido usar de prudente reserva de identidade, nesse ano de 1554.
Impressionou-me sobremaneira o tema obsidiante da fome, que perpassa pela quase totalidade da novela: a fome que exaspera sempre Lazarilho, e também alguns dos seus amos. Desventuras de um esfomeado seria um subtítulo apropriado.
Há, ainda, um prefácio de Gregorio Marañon, que detestava a novela picaresca, não por ser má literatura, mas pelo que, no entender do ensaísta, deformava, não apenas a alma  espanhola -- pela amoralidade e apologia do comportamento desviante --, como também pela imagem distorcida que dos espanhóis passava além-fronteiras.  3***

ficha:
Autor: Anónimo
título: Lazarilho de Tormes
prefácio: Gregorio Marañon
tradutor: Ricardo Alberty
colecção: «Livros RTP» / «Biblioteca Básica Verbo» #44
editora: Editorial Verbo
local: Lisboa
ano: 1971
impressão: Gris Impressores, Lisboa
págs.: 148