domingo, 31 de maio de 2015

o princípio em 1960: «Por cima da estrada real, nem a sombra de uma nuvem põe um remendo no buraco do céu.»

É este o início do, creio que único, romance de Antunes da Silva, Suão, de 1960. Um bom começo. Do vento, sabe-se que transporta uma vaga de calor sufocante que transtorna as pessoas, mesmo os que o conhecem bem, como sucede com os alentejanos.
O título é excepcional: uma palavra apenas com um feixe de implicações; tal como esplêndida é a capa da minha edição -- da autoria de Octávio Clérigo --, a primeira, saída no óptima colecção de bolso da velha Portugália Editora.
Lembro-me de que gostei da primeira vez que o li, sem que atingisse a poética depurada dos romances de Manuel da Fonseca, provavelmente o maior escritor alentejano do século XX.
Enquanto não me aborrecer, vou andar às voltas com ele e com outros.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

microleituras

Sidónio Muralha é um dos nomes inaugurais da poesia neo-realista (Beco, 1941), autor do «Novo Cancioneiro» (Passagem de Nível, 1942), celebrado autor de muitos e bons livros para crianças, entre os quais Bichos, Bichinhos e Bicharocos (1950), Todas as Crianças da Terra (1978) e O Rouxinol e a Sua Namorada, 1983 -- maravilhosamente ilustrados por Júlio Pomar, o primeiro, e Fernando Lemos. Na década de 1950 sai do país e vai, na companhia de Alexandre Cabral, o futuro grande camilianista, para o então Congo Belga, emigrando mais tarde para o Brasil, onde virá a falecer, em Curitiba.
Os poemas mais interessantes desta colectânea são os que abordam a mágoa da longa ausência deste poeta lisboeta nascido na Madragoa e que soube ser um autor para todas as crianças da terra, tendo no Brasil um país que enquanto tal também o adoptou.

Deixo um dos meus preferidos, o primeiro dos «Dois Sonetos do Difícil Retorno»

Se fores a Portugal um dia, se
pisares aquele chão, diz-lhe que aguarde
o difícil retorno deste que
nunca pensou voltar assim tão tarde.

Mas houve temporais e lutas e
se a batalha foi ganha sem alarde,
nunca foi sem alarde a raiva de
um inimigo oculto, hostil, cobarde.

Atravessei os mares e os continentes,
conheci outras línguas, outras gentes,
mas a minha poesia é lá que vive.

É lá que sou poeta e na verdade
a minha volta é só formalidade.

-- Voltar não voltarei. Sempre lá estive.

ficha:
título: 26 Sonetos
autor: Sidónio Muralha
colecção: «Horizonte Poesia» #7
editora: Livros Horizonte
local: Lisboa
ano:1979
texto contracapa: José Manuel Mendes
págs.: 30
impressão: Tip. Minerva do Comércio, Lisboa

quarta-feira, 27 de maio de 2015

microleituras

Tal como o apoliticismo é profundamente político, a recusa do tangível em poesia acaba por ser, por oposição, uma atitude que reflecte o social. E que poesia rejeita Adorno (1903-1969)? A poesia mercantilizada, a dos prémios literários, a dos suplementos dos jornais, exaltando, pelo contrário, a estesia pura de comunicar o mundo sem porquê, reduzir as palavras ao essencial e não ao funcional. Ou, para citar um poema do norte-americano A. R. Ammons que ainda ontem me passou pelos olhos e pelas mãos: «Desistir das palavras com palavras.» (Limiar #4, 1994). 
Há aqui um nojo, que compreendo bem (estamos em 1957, mas, por outras razões, poderia ser 2015), compreendo, mas ao qual, provavelmente por romantismo, espero-o bem, não consigo aderir. Pôr a mão na massa, para mim, ainda pode ser das acções mais poéticas que uma caneta (!) poderá praticar, pelo risco, pelo despojamento. Sinto-me, aliás, confortado com o que ele escreve a propósito de Brecht, cujo nome se afirma «como o do poeta a quem foi dada a integridade da linguagem sem ter de pagar tributo ao esoterismo.» 
Antes de me ficar, uma nota para a edição, que comprei há dez anos numa Feira do Livro (a 6,16€, preço da dita -- ai o mercado...), cujo colofão, o mais bonito colofão que já li, reza assim: «Este primeiro volume da colecção Marfim acabou de se imprimir na Artipol -- Águeda, no dia 12 de Março de 2003, 48 anos após a morte de Charlie Parker.»  Caraças!, assim também eu queria ser editor.

o incipit: «O anúncio de uma conferência sobre poesia lírica e sociedade irá trazer um certo mal-estar a muitos de vós.»

ficha
   
tradução: Maria Antónia Amarante (e João Barrento para os poemas)
«Colecção Marfim» #1
editora: Angelus Novus
local: Coimbra
ano: 2003
capa: Francisco Romão
impressão: Artipol, Águeda
págs.: 29

segunda-feira, 25 de maio de 2015

microleituras

Uma mulher cujo arranjo e desmazelo exasperava o marido, pede auxílio a uma vizinha, a Tia Verde-Água, que tinha a casa sempre num brinquinho.
Conto tradicional português, recolhido por Ana de Castro Osório -- feminista e republicana, que dificilmente se reconheceria no no ambiente sócio-cultural subjacente, embora a moralidade -- o trabalho feito com brio é mais profícuo e sabe melhor -- continue a ser aplicável hoje, pelo menos idealmente.
O livrinho integrou uma colecção da autora, intitulada «Para as Crianças». As ilustrações de Leal da Câmara são epocalmente deliciosas.

iincipit: «Havia uma mulher casada, que vivia muito mal com o marido, porque era preguiçosa, desmaselada, e não tinha cuidado no amanho da casa.»

ficha:
título: Os Dez Anõezinhos da Tia Verde-Água
autora: Ana de Castro Osório
prefácio: Eernando Vale
colecção: «Literatura Infantil», dirigida por António Oliveira Cruz
editora: Instituto Piaget
local: Lisboa
ano: 1997
capa: Dorindo Carvalho
impressão: Sociedade Astória
págs.: 31

a ler: Dom Casmurro (1900)

I - Do Título

«Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conhecia de vista e de chapéu.»

A primeira frase, o incipit, do romance de Machado de Assis. O título do capítulo anuncia que vai discorrer sobre o título, estranho título do romance, e assim será, com um humor fino, com ironia, como se vislumbra logo neste incipit, alegando conhecimentos «de vista e de chapéu». 

domingo, 24 de maio de 2015

Primavera

Esta blogue está a acordar...

Será um pouco diferente, vamos ler...