quinta-feira, 30 de julho de 2015

cenas batidas

1.3. Um tom de tragédia, muito neo-realista e muito alentejano. Num registo quase cómico, Agapito Mourato, comerciante e agricultor, discute com Crispim Barradas, seareiro, as vantagens das debulhadoras que tem para venda, ao que o segundo contrapõe com os custos da eliminação de braços no trabalho agrícola que ela representa. O que será pretexto para a evocação de situações de miséria, como a daquela mãe que se atira ao poço com quase todos os filhos, por não ter com que sustentá-los.
A cena é forte e bem descrita, e é verdade que em 1960 a fome e a miséria grassavam ainda por esse Alentejo. No entanto, quer a pobreza extrema, com o seu cortejo de desgraças, quer os problemas levantados pela evolução técnica já haviam sido tratados há muito no romance português, pelo que há aqui alguma mastigação que -- podendo, embora, dar-lhe mais consistência -- não me parece, por enquanto, acrescente muito à economia da narrativa.

(um parágrafo)
«Crispim Barradas, frente ao homem de Moura, sente que o não deve poupar. Aquilo não pode ficar assim. A miséria é muita, os cuidados dobrados. Mas as maganas das palavras, que é delas? Puxava pela cabeça, matuta que matuta, e nada escorria de dentro. As máquinas são precisas, mas numa terra abandonado como a dele, como a de todos os alentejanos, enchiam as algibeiras dos  ricos e tiravam o pão aos homens e a fome alastrava como as margaças e o cizirão, ervas ruins dos campos.»

Antunes da Silva, Suão (1963)

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