segunda-feira, 27 de julho de 2015

a caminho do exílio

2. Cidade, vila, aldeia, comboio, camioneta, intervalos por tabernas, André e Lambaça continuam o seu percurso de desconfiança e incomunicabilidade a caminho da fronteira. Um posto da guarda, conhecido do segundo e onde se costuma pedir documentos aos viajantes, implica manobra arrojada de temeridade a André, instruído por Lambaça: passar-lhes rente, a pé, como quem nada tem a temer, retomando a carreira pastelona um par de quilómetros adiante. A desconfiança do jovem militante diante duma possível armadilha aguça-se, mas o homem é um passador experiente...

(um parágrafo):

«Ali tomaram a camioneta, e esta seguiu, ronceira e aos solavancos por uma estrada poeirenta e esburacada, parando aqui e acolá em aldeias pacatas e tristonhas, onde subiam e desciam camponeses de poucas falas. André, que nascera e sempre vivera em Lisboa, olhava curioso a paisagem e a gente, apreciava as moças, ajudava a baixar cestas, e, ao fitar um e outro, lia-se-lhe nos olhos honestos a vontade mal refreada de falar e de conviver. A seu lado, direito e rígido, o Lambaça fumava cigarro atrás de cigarro, sem nada dizer.»

Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975).

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