segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A época é de tragédia.

A época é de tragédia. O que domina é o oiro. Só existe um deus -- O Gozo. Inteiro descalabro nas consciências. Eu que quero? tu que queres? Gozar. Visto que depois da morte só o nada existe e a terra tudo traga -- um buraco e alguns punhados de desprezível cisco -- o mundo divide-se logicamente em dois largos campos: nos que, cépticos, sem preconceitos, frios como lâminas, secos como pedras, conquistam, mandam e dominam, com o código por consciência, e a quem tudo na terra é permitido -- calcar, mentir, triunfar enfim -- contanto que se fique dentro dos limites duma coisa honrosa a que por convenção se chama a honra, isto é fora da cadeia; e nos pobres, explorados e simples, ainda ignorantes, crendo numa vida eterna, que lhes pague a dor de virem ao mundo só para chorar, fartos de miséria e gritos, fartos de fome e desilusão, caminhando como um rebanho, gasto e suado, por este vale de lágrimas e de quem os outros se riem às escâncaras.

Início de O Padre (1901), de Raul Brandão, prefácio de José Manuel de Vasconcelos, Lisboa, Vega, s.d.

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