segunda-feira, 17 de novembro de 2014

4 ou 5 págs.: s/ título

 Auster continua a desfiar episódios e histórias insólitas que lhe aconteceram ou contaram. Agora é o episódio rocambolesco de um tio de um amigo, resistente nacionalista sérvio, cercado pelos alemães nos dias que antecederam o fim da II Guerra Mundial. Baleado pelos nazis na tentativa de fuga, quando os companheiros anteriores haviam sido abatidos, foi recolhido, inanimado, por um camponês. Transportado numa carroça conduzida por este, instantes após recuperar os sentidos, viu saltar a cabeça do homem que o conduzia, decapitada por uma carga de obus, sendo, logo em seguida, apanhado pelas tropas soviéticas, desmaiando novamente. Acorda numa enfermaria improvisada num barracão, e fica a saber que está prestes a ser-lhe amputada a perna ferida. Enquanto suplica que não lha cortem, novo bombardeamento faz com que volte a desfalecer. Mais tarde acordará com a perna intacta, tendo diante de si uma bela enfermeira por quem se apaixona. Não era o paraíso, mas parecia. O tio do amigo de Auster -- um chetnik que escapou duas vezes à morte no mesmo dia, milagrosamente, e que não acabará os dias com a bela enfermeira -- era, à data em que a história lhe foi contada, um prosaico angariador de seguros de Chicago.

início: «Pouco tempo depois do meu regresso a Nova Iorque (Julho de 1974), um amigo contou-me a história seguinte.»

um parágrafo: «Olhou pela janela o primeiro homem a correr pelo campo coberto de neve. Houve uma barreira de tiros de metralhadora vindos da floresta e ele foi abatido. Um momento depois, o segundo homem saiu, e passou-se a mesma coisa: as metralhadoras soaram e ele caiu morto na neve.»

Paul Auster, O Caderno Vermelho, trad. Fátima Freire de Andrade, 8.ª ed., Porto Edições Asa, 2002, pp. 7-14. 

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