quarta-feira, 26 de novembro de 2014

4 ou 5 págs.: EUCLIDES E HERCULANO

Este texto foi publicado no número espécime (ou número zero, como se diria hoje) de O Diabo -- Semanário de Crítica Literária e Artística, de 2 de Junho de 1934. Ferreira de Castro dá conta do grande momento que então vivia a literatura brasileira, não apenas no romance como no ensaio. Ele não menciona, mas como sabemos dos seus contactos estreitos com o meio cultural do Brasil, é evidente que estaria a pensar em nomes como José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Erico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre e, especialmente, em Jorge Amado, com quem se coemaçava a corresponde e de quem viria a ser grande amigo.
Essa referência serviu de introdução ao desconhecimento por que passava a literatura coeva, ao contrário do que sucedera com a do século XIX -- em que enumera alguns dos grandes nomes desse tempo, acrescentando, no início da centúria seguinte, o de Euclides da Cunha, cujo reconhecimento por cá se restringia aos meios literatos, não alcançando ainda o público leitor em geral.
E, curiosamente, vai compará-lo a Alexandre Herculano, não apenas na propensão para a História mas também por uma propensão austera de ambos, distiguindo-se, porém, no colorido da prosa: brônzea no autor da História de Portugal, polícroma no d'Os Sertões, diferenças entre o luso e o trópico.

Início: «Há alguns anos, os escritores brasileiros queixavam-se, e, possivelmente, ainda hoje se queixam, de serem pouco conhecidos em Portugal, enquanto os portugueses estavam largamente difundidos no Brasil.»

um parágrafo: «Irmanados pelo mesmo arcabouço literário, pela mesma forte orquestração verbal, os dois separam-se quando as pupilas devem constituir elemento a aproveitar. Herculano tem pouca cor, usa poucas cores. A sua visão não encontra cromatismos e é como o seu pensamento: profundo, vasto, mas sóbrio. Se tivesse de pintar, seria como certos mestres da arte espanhola; sombrios, procurando exteriorizar-se pelo castanho e pelo negro. Há sempre algo de arte ibérica, conventual, neste génio português.» 

Ferreira de Castro, «Euclides e Herculano», O Diabo, número espécime, Lisboa, 2 de Junho de 1934; antologiado por mim em «A unidade fragmentada. Dispersos de Ferreira de Castro», Vária Escrita #3, Sintra, 1996.

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