quinta-feira, 16 de maio de 2013

o nosso Zola


Escrito em 1895-96, mas só publicado em 1901, eis o naturalismo literário português em toda a sua miséria depatologia social... Botelho é o nosso Zola, sem o talento deste -- mas é o nosso... E, como tal, é preciso lê-lo, tentar resistir ao ínfimo detalhe destes cirurgiões de aleijões sociais e atentar no que tem de bom (porque também o tem). E Abel Botelho, apesar do intrincado da prosa, não deixa de ter vigor, por vezes impiedosamente cru.
Amanhã trata do operariado lisboeta finissecular, do lumpen-proletariado de maus fígados, mau vinho e deficiente nutrição, à beira da miséria -- embora ainda não os mais pobres dos pobres.
Para já, primeiras páginas, apresenta-se-nos Serafim, chegado a casa ao fim duma jornada de trabalho, e Clara, sua mulher ("dois enjeitados da sorte"), a quem é exigido o jantar e o vinho. Surge em seguida Ana, a vizinha, mãe duma rapariguinha "de mal agouradas heptizações na face" (o vocabulário médico-cirúrgico é imprescindível...), cujo pai é o Esticado... Escusado será dizer que a sopa é "uma negra e triste aguadilha" e os purulentos carapaus fritos nadam "numa repugnante e crassa oleosidade". A casa é suja, o mobiliário tosco e, no estuque do tecto "negrejava, por milhares, um constelado planisfério de dejecções de moscas." Inevitável.
Digamos que não é uma leitura leve, mas é imprescindível

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