sexta-feira, 10 de maio de 2013

A DENÚNCIA

Estes que aqui vêem
são os delatores. Por três vinténs
vendem seu vizinho.
Que são conhecidos
bem no sabem; mas a gente
lembrar-se-á sempre?
A noite dormem-na mal --
-- muitos dias há
antes do dia final.


Breslau, 1933. Casa pequeno-burguesa. Um homem e uma mulher escutam, de pé, junto à porta. Estão muito pálidos.

A MULHER -- Chegaram lá abaixo. 
O HOMEM -- Ainda não.
A MULHER -- Deram cabo do corrimão. E quando o arrastaram para fora do quarto já vinha inconsciente.
O HOMEM -- Mas eu só disse que a rádio que se ouvia com postos estrangeiros não era a nossa.
A MULHER -- Não foi só isso.
O HOMEM -- Não disse mais nada.
A MULHER -- Não te ponhas a olhar para mim dessa maneira. Se foi só isso que disseste, pronto, foi só isso.
O HOMEM -- É o que eu estou a dizer.
A MULHER -- E porque é que não vais à polícia declarar que eles não tiveram ninguém em casa no sábado?

Pausa

O HOMEM -- À polícia não vou. Aquilo são umas bestas. Não vista a maneira como se atiraram a ele?
A MULHER -- Cada um arranja a cama onde se deita. Para que se meteu ele na política?
O HOMEM -- Mas não precisavam de lhe rasgar o casaco. Um casaco grosso como aquele não temos nós, não.
A MULHER -- O casaco não vem para o caso.
O HOMEM -- Mas não precisavam de lho ter rasgado.

Bertolt Brecht, O Terror e a Miséria no Terceiro Reich, trad. Fiama Hasse Pais Brandão, Lisboa, Portugália Editora, s.d.

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