terça-feira, 21 de janeiro de 2014

4 ou 5 págs.: S. JOÃO D'ARGA

Nota de uma peregrinação à capela de S. João d'Arga, por ocasião das festas anuais em intenção do orago, publicada em Páginas V (1965), contemporânea, pois, do romance A Torre da Barbela (1964), para a memória do qual nos remete irresistivelmente este relato de ascensão devocional, lembrando o improvisado guia conduzindo turistas indiferenciados ao cimo da barbacã medieval.
Aqui, não se trata de turismo, mas sim tradição milenar, religiosa e profana, que Ruben nos participa como uma espécie de repórter, entre o divertido e o cúmplice com esta multidão minhota que, anualmente, sobe e desce, cumprindo promessas ("patas são quatro, sobe-se de gatas, voltar atrás é perder o equilíbrio"), com as provações exigidas pela crença arreigada ("Estão na Idade Média. Todos os anos o 28 de Agosto é corrido a carpir e a borgar naquelas alturas.").
O texto é limpíssimo de precisão, de quem se sente parte daquele habitat, apesar de fazer vida por Porto e Lisboa, praias da Granja e  Cascais, como lhe proporcionava o estatuto familiar de bem-nascido, e mais franças e araganças, como lhe exigiam as funções diplomáticas e universitárias. Prosa aliciante, recurso a efeitos de estilo como a repetição, transmitindo uma viva noção das dificuldades daquele custoso passeio ("[...] começa o planalto de pedras, pedras sempre pedras, pedras desde o princípio do mundo, pedras poemas, sabendo que são pedras, pedras sim."; "Cá vamos subindo, sempre subindo, subindo de cabeça baixa [...]"). Vencidas as dificuldades e cumpridos os preceitos que as promessas ao santo exigem, é tempo de folguedo, de borga.

O incipit«S. João d'Arga - 28 de Agosto.»


Um parágrafo: «Pusemos arraial na encosta, pedra ao pé de pedra. Lá fomos entre o formigueiro. A capela é mesmo viva pelas coisas de pedra colorida e pela situação escondida do altar-mor. Tem uma estátua do Santo Miguel a cutilar o Senhor Diabo que é uma maravilha. Todos entre Lima e Minho têm respeito ao Senhor Diabo para ele estar quietinho. Nada de obras do Diabo! O Senhor Diabo merece toda a consideração. Deitei lá umas cinco coroas para não ter nada com as iras e más disposições do Senhor Diabo.»
Ruben A., Antologia, organização de Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz, Lisboa, Roma Editora, 2009, pp. 89-94.



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