domingo, 2 de fevereiro de 2014

livros de 2014 -- #5 COMO A ÁGUA QUE CORRE




Um romance curto e dois contos esboçados nos primórdios da vida literária, e reescritos na década de 1980. Sempre com a grande erudição de Yourcenar, contudo, não deixa ofuscar a artista que ela é. Lembro-me muitas vezes, da Agustina a propósito; não quanto à quebra dos interditos sexuais, muito mais evidente por parte da belga, como, à partida, me parece mais natural.
«Anna, soror...», o primeiro conto, magnífico, sobre um delicado amor incestuoso, nunca consumado, entre irmão e irmã, passado na Itália espanhola dos sécs. XV-XVI, e na Flandres, então também do Habsburgos. Morto o irmão ainda jovem, ela alimenta esse amor ainda para além da morte, apesar do casamento imposto, da maternidade e da viuvez de Anna de La Cerna, depois soror...
«Um homem obscuro» que anda ao sabor da vida no século XVII, pela Inglaterra, o além-mar e, principalmente, as Províncias Unidas (Holanda). Natanael, filho dum operário holandês da construção naval, radicado no sul da Inglaterra, embarcado, náufrago, empregado numa encadernadora de um tio, em Amesterdão, amancebado com uma ladra e prostituta, Sarai, de quem tem um filho, empregado em casa de um burguês, com uma bela, melancólica e cultivada filha, a Senhora d'Ailly. A saúde débil faz com que o patrão o envie como guarda duma propriedade na costa duma ilha quase desabitada, onde resignadamente espera um regresso (a Senhora d'Ailly...), mas o estado deteriora-se e o desengano sobrevém, resignadamente, como a água que corre...
«Uma bela manhã» revela Lázaro, filho de Natanael e Sarai, órfã e a viver com a avó numa estalagem por onde passa, certo dia um troupe de actores a caminho das cortes da Escandinávia, onde as consorte inglesas apreciam assistir ao teatro do seu país. Fala-se num certo Shakespeare... Ao contrário dos textos anteriores, parece-me que Yourcenar não foi tão feliz aqui, tendo, talvez, fechado a narrativa quando ela teria mais para dar.   4****

Ficha:
autor: Marguerite Yourcenar
título: Como a Água que Corre (Comme l'Eau qui Coule)
tradução: Luiza Neto Jorge
colecção: "Biblioteca Visão -- Colecção Novis" #18
edição: Abril Controljornal Edipresse
local: Linda-a-Velha
ano: 2000
ano da ed. original: 1982
capa: Carlos Bravo
impressão: Printer, Barcelona
tiragem: 75000

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