Dois amigos em viagem, na estrada Luanda-Sumbe, no tempo da guerra civil angolana. Numa paragem fortuita, o narrador vê um velho acompanhado por dois enormes lagartos. Estes tinham um olhar estranho, e o próprio velho tinha qualquer coisa de lagarto no semblante. Serão lagartos especiais, riem-se -- e poderão até falar, afiança o velho. Interessado, atraído, o narrador compra um, o maior, «o mais espertíssimo», o Leopoldino. A viagem prossegue sem novidade, até que, já perto do Sumbe, o lizardo desata-se a rir -- e esse riso perturba o segundo homem de tal forma que ele entendeu não só que lhe era dirigido, como o tornava, ameaçadoramente, alvo de mofa a propósito de algo porventura inconfessável... («Deve ser por causa daquilo com a Ana». Quem seria essa Ana, não o sabia o narrador, e muito menos nós, leitores...). Daí a querer dar cabo do Leopoldino foi um passo, levando o dono a impor-se e a tratar ele mesmo do assunto, executando três disparos sobre a caixa que acomodava o animal. Mas não esperava que, num ápice, muito perto, soasse um metralhar em resposta... Fogem ambos para o jipe, sem pinga de sangue; parecia que acabavam de desencadear uma operação militar. Mas, mesmo na aflição, o segundo homem não deixava de sentir alívio, pois alegava que «o tipo sabia de mais»...
Contos para viajar é o subtítulo deste volume de Agualusa, cuja epígrafe de Manoel de Barros ("Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas."), foi sabiamente escolhida.
o incipit: «Só quando parámos o jipe é que os vi.»
um parágrafo: «Porém, quando estávamos quase a chegar ao Sumbe, o lagarto começou a rir. Sei que parece estranho, mas é a pura verdade: Leopoldino ria. Não ria exactamente como uma pessoa, claro, ria como uma pessoa semelhante a um lagarto, mas ria. Eram gargalhadas secas, cínicas, que estalavam dentro do jipe de uma forma vagamente assustadora. Eu ouvi-o e não tive vontade de rir. O meu amigo, que conduzia o jipe, ficou ainda mais inquieto:»
Sem comentários:
Enviar um comentário