Ela tinha um problema: queria ser como a Marylin, maravilhosa, mas tinha essa pecha chata (...cha-chata...) de ataques diários de pânico da morte súbita. Uma tia psi explicou-lhe que
ela fazia parte do grupo de pessoas que se apercebiam de que a morte podia ser iminente, vir sem aviso, daí a urgência de partir que sentia. Isso,
ela fazia com
ele, passeando de automóvel, sem destino -- e este viajar sem destino, em que
ela, como por milagre, se esquece da fobia quotidiana, aparece como um escapismo à sua vida insignificante, de que indirectamente nos apercebemos: da alusão às "arcas dos ultracongelados" do supermercado, passando pelo modo basbaque como se refere "àquele sítio dos Templários", Tomar ("parece que há lá muitos mistérios"), até à pensão manhosa ("fica num bloco de apartamentos para habitação social"), onde acabam o dia -- e se acaba o texto --, sem que tivessem vislumbrado mistério nenhum e nenhum achaque paniquento houvesse dado cor à jornada desta pobre
marylin.
Crónica ficcionada (no fundo, não o são todas as crónicas?...), lembrando, por vezes, as de Lobo Antunes, prosa directa e concisa, períodos curtos,
jornalísticos, estilo trabalhado, um sentido de humor burlesco.
O incipit: «Ela era como a Marylin e só queria ser maravilhosa.»
um parágrafo: «E ela ia, ver se chovia. Enquanto ela ia e vinha -- podia até dar-se o caso de não voltar -- ela era maravilhosa e era isso que contava.»
Sarah Adamopoulos,
A Vida Alcatifada, Lisboa, Fenda, 1997, pp. 11-14.
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