domingo, 17 de março de 2013

Ei-la, pois, aqui, neste momento --

Ei-la, pois, aqui neste momento -- tudo parece natural ainda; venho olhá-la a cada instante, mas amanhã levá-la-ão, e como hei-de eu ficar sozinho? Neste momento ela está na saleta, em cima da mesa, juntaram-se duas mesas de jogo, mas o seu caixão, amanhã, será todo branco e a sua mortalha de tafetá será pálida; aliás, não é disso que se trata... Não paro, para cá e para lá, a ver se consigo explicar-me a mim mesmo o que se passou: há quase seis horas que procuro essa explicação sem conseguir coordenar as minhas ideias. No fundo, nada mais faço senão ir e vir, ir e vir... Eis como as coisas se passaram. Procederei com método. (Com método!) Deus meu, não tenho nada de um escritor, e isso vê-se bem, mas, que importa?, contarei as coisas tal como as compreendo. Mas, o que é para mim mais espantoso, é que eu compreendo tudo!

Início de Está Morta!, de Fiódor Dostoiévski, trad. João Gaspar Simões,  Lisboa, Editorial Inquérito, 1940.

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